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SAPATO VELHO por Misael Nóbrega de Sousa

 

É estranho remexer nos pertences de um morto. Ali não existem recordações, mas sentimentos. No relicário de meu pai, as únicas provas de que ele andou e respirou entre nós. Com o passar do tempo, toda memória vai esmaecendo… Como aquele retrato dele menino, sentado com pose de artista. E poderia reconstruir a sua trajetória de homem honrado. “Dê-me os primeiros anos de uma criança que direi o adulto que ela se tornará”. De fato. A infância de meu pai, foi arraigada no urgente-servir, pelo exemplo de meu avô: um funcionário público que arrastou o peso do mundo pelas calçadas da “rua Grande”, nas intermináveis idas e vindas da Miguel Sátiro ao Paço Municipal, onde trabalhou a vida toda. “Seu Misael foi um homem de bem”, diziam. Às vezes, penso que isso pode ter sido um impedimento para que meu pai viesse a se tornar o que bem quisesse. Mas, apenas ele poderia enfrentar os seus próprios fantasmas. Ainda assim, acho que meu pai mais deu do que recebeu. A vida foi moldando ele como que o castigando. Não falo em frustração, mas de embrutecimento. E paro por aqui, pois a mim não cabe nenhum jugo. Nada mais será dito. Tudo está consumado. De resto, fiquei com um par de sapatos de numeração 41, que guardo até hoje. Gostaria de enterrá-lo na cova onde o corpo de meu pai repousa, sem cerimônias. Mas, não sei… – Uma vida é muito pouco. E, sem afeto, somos apenas acumuladores de coisas. Pior: tornamo-nos curadores de nossos anos. Acompanho a desconstrução de uma época pelos obituários. E lá se vão os amigos de meu pai para serem enterrados com ele-… Reservas morais de um tempo perdido, cuja vaidade era somente existir. A minha herança, não foram aqueles sapatos marrons, gastos de tanto usar… – Meu pai me deixou a humildade… – A mais nobre de todas as virtudes. E por ser “a gratidão, o único tesouro dos humildes”, procuro valorizar esse presente, agradecendo, até o fim de meus dias, por ter sido seu filho nesta terra miserável.

 

Patos, 26 de dezembro de 2018

 

Misael Nóbrega 

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